🌲️ 2022-05 - 📝️ Reflexão sobre o projeto de pesquisa à luz de novas noções e conceitos

Trabalho final da disciplina de Introdução à história das ciências e da divulgação científica

Maio de 2022


Apresentação da proposta de pesquisa

O pré-projeto de pesquisa submetido para ingresso à especialização é intitulado “Divulgação Científica em Conservação e Restauro: Uma Cartografia das Mídias Sociais”, esta se trata de uma pesquisa com viés exploratório e tem como objetivo mapear os divulgadores do campo que têm como meio de comunicação o ciberespaço, analisar o discurso feito por eles sobre a área nessas mídias e observar a presença digital das instituições de salvaguarda tal como quais suas ações de divulgação cientifica tendo como foco a conservação-restauração.
Este estudo foi motivado pelo desejo de um diálogo mais próximo com a população - que é a verdadeira detentora de seus patrimônios e bens culturais. Diálogo este que muitas vezes é dificultado pelas concepções do próprio campo e como esse saber foi construído, constantemente sustentado por jargões, estrangeirismos e tecnicalidades – necessários à prática e ensino formal da profissão, mas empecilhos para uma dialogia horizontalizada sobre o campo.

Apesar da importância da divulgação cientifica existir por si só, a própria existência da conservação-restauração e manutenção de seus objetivos depende de uma participação ativa da sociedade, afinal “não se protege ou se conserva aquilo que não se considera útil de forma real ou simbólica.” (GRAVIER, 2015, p.32). Sem esta participação, a produção de verdade sobre os patrimônios culturais e sua proteção estão apenas nas mãos de instituições e por vezes pouco integradas à identidade cultural dos indivíduos, que são excluídos deste processo pelas apropriações desiguais de cada grupo aos bens, que, como explica Horta (2015), acontecem principalmente por vivermos numa sociedade de classes.

O foco em mídias sociais e internet se deve ao aumento de divulgadores de diversas áreas do conhecimento fazendo uma apropriação desses veículos e construindo uma integração real com a cultura digital e em diferentes mídias sociais - que têm suas próprias linguagens, meios de divulgar, produzir e consumir conteúdo - e o quanto esta prática é necessária para o diálogo com toda uma parcela da população, tentando assim construir mais caminhos para diminuir a desigualdade de apropriação dos bens pelos indivíduos.
Esta exploração visa então ser um ponto de partida: descobrir como se fala atualmente, quem fala e onde se fala sobre conservação-restauração no ciberespaço, etapa essencial para o começo de uma sistematização da divulgação cientifica no campo, com o desejo que, no futuro, os profissionais a tornem campo de pesquisa, cada vez mais acessível e horizontal.



Reflexões trazidas a partir das aulas

A primeira reflexão extremamente importante que me foi trazida pela matéria foi a impossibilidade da dissociação de diversos fatores à ciencia, e o quanto uma “pureza” é impossível. Me vi percebendo no próprio projeto vários entrelaces – falo de conservação e restauração mas me sustento no patrimônio, são dois campos distintos da ciência. Esse exercício abriu portas para pensar onde mais existem tangentes (ou nós), e no que não consigo dissociar nas bases para essa escrita.

Vejo a noção de cultura, de patrimônio cultural e de identidade cultural como uma primeira “paleta” de temas indissociáveis, apesar de cada uma delas também serem permeadas de suas interferências e interesses “externos”. As políticas institucionais e o papel do estado no que se refere a patrimônio e preservação como uma segunda. E, entrelaçados, temas como história da arte, história, museus (e educação não formal), educação patrimonial e comunicação. Certamente existem mais temas que não me ocorreram neste levantamento, mas acredito que uma escrita futura atenta a esses e outros cruzamentos poderá enriquecer o projeto de TCC e possíveis projetos práticos de divulgação da área, com atenção em quais são as principais variáveis de interferência caso a caso.

A matéria expandiu horizontes e me fez pensar numa história da ciência da conservação no Brasil e numa história da divulgação da ciência da conservação no Brasil, ambos atrativos como bons pontos de partida para elaborar a pesquisa, em especial por não ter tido contato com produção bibliográfica sobre esse contexto nacional. Descobrir os entrelaces das duas e o que foi escrito até hoje é algo que me pareceu pertinente, então, tentei começar com um levantamento em repositórios de instituições que sediam cursos de conservação e restauração (UFRJ, UFMG, UFPel) e no portal de periódicos Capes, encontrando apenas um autor com um projeto de resgate histórico do campo no Brasil e nenhum resultado sobre a divulgação da ciência.

Esse problema é agravado também pela forma como as informações da ciência da conservação são compartilhadas entre quem está inserido no campo: a padronização de palavras-chave entre autores é ainda frágil e a falta de diálogo entre instituições trazem um “quê” de teoria da dependência – existe uma grande produção bibliográfica nacional em cima da história, das teorias e de paradigmas do campo criados (em sua grande maioria) no norte global, sem uma verdadeira tradução para o contexto nacional.

Percebo uma certa dificuldade do campo como um todo em se comunicar com a população, talvez por falta dessa “tradução”. Essa comunicação é um tema de suma importância quando se pensa numa conservação-restauração ética e focada nos indivíduos detentores do patrimônio, porém é ainda difícil encontrar bibliografia sobre comunicação de temas da área sem ser num contexto de educação patrimonial envolvendo instituições de cultura.
As discussões sobre positivismo na aula também me fizeram revisar alguns pontos e ideias que tenho da área, que, a meu ver, parece possuir até hoje uma certa auto-imagem positivista. Tenho como objetivo também tentar desconstruir esse ponto, ou pelo menos descobrir como começar essa desconstrução, pois só assim vejo possível a construção de diálogos horizontais com a população.

Um último ponto que me ocorreu através da leitura do texto de Cueto sobre as perspectivas historiográficas foram os diferentes locutores: é jornalista? Historiador? Cientista do campo em questão?

Apesar de buscar “quem” fala de restauração como proposta no projeto não havia me ocorrido toda essa variedade de locutores, o pensamento inicial foi elaborado em cima da dualidade entre profissional formado numa modalidade de ensino formal vs produtores de conteúdo sem a bagagem formal. Viés que vejo agora incorreto como ponto de partida pensando também na própria multidisciplinariedade do campo - várias áreas do ensino formal podem contribuir para o pensamento e planejamento do restauro de uma só peça (químicos, artistas, fotógrafos, arquitetos, engenheiros de materiais, etc.).

Também me acabei relembrando de matérias jornalísticas sobre erros da profissão (com um viés um pouco sensacionalista) que “viralizam” com certa facilidade na internet. Essa lembrança tornou possível ver a área mais integrada à cultura digital do que imaginava inicialmente, mesmo que talvez não pelos motivos “certos”, mas certamente proveitoso como ponto de partida para o diálogo. Dessa forma expandiu a pergunta “quem?”, tornando-a mais interessante e útil enquanto pesquisa.

A matéria como um todo foi muito benéfica para o aprimoramento da forma como pensava sobre alguns temas, afinal nunca tinha pensado numa historiografia nem me deparado com debates produtivos de viés decolonizante, apesar de considerar esse viés força motriz para a vontade de produzir a pesquisa.


Bibliografia

CASTRO, Aluísio. Do Restaurador de Quadros ao Conservador-Restaurador de Bens Culturais: O Corpus Operandi na Administração Pública Brasileira de 1855 a 1980. 2013. 257 f. Dissertação (Doutorado em Artes) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. Disponível em: < http://hdl.handle.net/1843/JSSS-9GGJEC> Acesso em: 22 mai. 2022.

CUETO, Marcos; SILVA, Matheus Alves Duarte da (2020). Trayectorias y desafíos en la historiografía de la ciencia y de la medicina en América Latina. Asclepio, 72(2): p320. https://doi.org/10.3989/asclepio.2020.21

GRAVIER, Marina Garone. Quando a Memória se Oxida: um chamado à proteção do patrimônio tipográfico latino-americano. In: UTSCH, Ana (org.). Museu Tipografia Pão de Santo Antônio: patrimônio gráfico entre ação e preservação. Associação do Pão de Santo Antônio. 2015. P. 31–40. Disponível em: http://www.museutipografia.com.br/catalogos/catalogo2015.pdf Acesso em: 20 jan. 2022.

GONÇALVES, Yacy-Ara. Demandas históricas: a constituição da ciência da conservação e a formação do conservador-restaurador. In: Conservar património. Universidade Federal de Minas Gerais. 2016. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/37240 Acesso em: 22 mai. 2022.

HORTA, Marcia Betania Oliveira. Ações de Educação Patrimonial. In: UTSCH, Ana (org.). Museu Tipografia Pão de Santo Antônio: patrimônio gráfico entre ação e preservação. Associação do Pão de Santo Antônio. 2015. P.71–77. Disponível em: http://www.museutipografia.com.br/catalogos/catalogo2015.pdf Acesso em: 20 jan. 2022.

Este é o jardim digital de Marta Safaneta, ou EiBarracuda, pessoa não-binária e autista, bacharel em Conservação-Restauração e estudando Divulgação Cientifica. Trabalhando atualmente no Projeto "Tem ciência no museu?", da Rede de Museus UFMG | FAPEMIG.
Saiba mais sobre mim, sobre meu curriculo ou navegue por aí.
2023